Calçada Bento da Rocha Cabral

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Filho de António José da Rocha Cabral e de Helena Teixeira da Rocha Cabral, nasceu no Distrito de Trás-os-Montes.
Emigrou ainda novo para o Brasil onde se casou, no Rio de Janeiro, com Maria Jaymot no dia 29 de Janeiro de 1889 em regime de separação de bens. Tendo acumulado uma considerável fortuna e movido pelos seus interesses culturais, sociais e científicos, viajou pela Europa e Estados Unidos da América, onde conheceu a Rockefeller Foundation que mais tarde o viria a inspirar para a criação póstuma de um instituto de investigação.
Retornado a Portugal, adquiriu em 1902 uma casa apalaçada de quatro pisos no número 14 da Calçada da Fábrica da Louça, onde viveu e acumulou uma vasta colecção de livros e obras de arte.

Não tendo descendência, redigiu o seu testamento, composto por 14 páginas em Lisboa no dia 7 de Março de 1918, considerando-se este documento da maior relevância para ilustrar o motivo pelo qual este arruamento o homenageia.
Três anos volvidos, após o seu falecimento, a declaração escrita foi aberta, contendo instruções sobre o modo como pretendia ser sepultado, bem como a forma como os seus bens e activos financeiros deveriam ser distribuídos.

Neste sentido, indicou que deveria ser sepultado no Cemitério Ocidental, num jazigo que possuía na Rua 37, n.º 4883, reservado também para a sua mulher (caso não voltasse a casar) e ao seu irmão, José Marcelino da Rocha Cabral. Destacou que não pretendia qualquer afluência ao seu funeral nem algum tipo de cerimónia religiosa: apenas um anúncio  nos periódicos Século e Diário de Notícias.
Dotou a sua mulher com um prédio no Rio de Janeiro e um chalet (em regime de usufruto) no Monte Estoril. Ao longo das 14 páginas contemplou familiares no Brasil e em Portugal, bem como amigos e respectivas famílias e empregados. Instituições como a Sociedade de Geografia de Lisboa, Museu das Janelas Verdes, Academia das Belas Artes, Diário de Notícias e as mais diversas associações de caridade foram também elencados neste testamento.

Contemplando a sua terra-natal, incumbiu a Junta da Paróquia da Freguesia de Paradela da criação da “Junta Administrativa do Legado Rocha Cabral”, no âmbito da qual se deveria assegurar a conservação e funcionamento das infraestruturas que ali havia construído, designadamente canalização de água, lavadouro, chafariz, uma escola. A este propósito, deixou fundos para a criação de incentivos financeiros para os professores “pela sua assiduidade e dedicação ao ensino dos seus alunos, fazendo-se estimar por elles e desenvolvendo-lhe o gosto pelo estudo de forma que a Escola os atraia em vez de lhes ser indiferente ou de lhes meter medo”,  e para os alunos que fossem aprovados nos seus estudos. Ainda para os alunos, ordenou que lhes fosse fornecido “indistintamente os necessários livros de ensino, e bem assim o papel, pennas e tinta do seu uso na escola, assim como calçado achinelado e blusas, de uso exclusivo dentro da escola, onde ficarão guardados”. O seguro anual da escola deveria ser igualmente pago a partir deste fundo.

A sua preocupação com as condições médico-sanitárias da população de Paradela de Guiães passou ainda pela instrução de contratação um médico que se ali se deslocasse uma vez por semana e que, em casos de doença grave, deveria “deslocar-se as vezes que forem precisas tratando gratuitamente os moradores da freguesia que necessitarem dos seus serviços médicos”.

Considerando as situações de pobreza, deste fundo deveriam distribuir-se “até quinze esmolas de dois escudos, no Domingo que preceder o dia de Natal, pelas pessoas mais necessitadas da freguesia, preferindo as viúvas com filhos menores e as raparigas órfãs de exemplar comportamento”.
Finalmente, pretendeu também abranger os equipamentos da freguesia, designadamente a igreja, o cemitério e os caminhos públicos que conduziam ao Concelho de Sabrosa.
Estes gestos de filantropia poderão ser sintetizados na seguinte passagem do seu testamento:
 “faço um caloroso apelo ao patriotismo e dedicação dos meus conterrâneos para aceitarem o encargo que lhes dou em benefício da nossa freguesia e no seu desempenho se inspirem unicamente no seu progresso e moral material. Oxalá que o exemplo que dou seja precursor de outros idênticos, que pouco a pouco melhores as condições da nossa província, infelizmente muito atrasada e descurada pelos governos.”

De todo o seu legado, ainda hoje perdura a existência do Instituto de Investigação Científica Bento Rocha Cabral, patente no último parágrafo deste documento: “deixo os remanescentes dos meus haveres, inclusivamente o saldo da testamentária do Rio de Janeiro (...) para a fundação de um estabelecimento de investigação scientífica, que tenha o meu nome, e de que desejo se encarregue da instalação o vereador Senhor Doutor Ferreira de Mira, actualmente vereador da Câmara Municipal de Lisboa”.

Assim, em 1922 foi fundado o Instituto de Investigação na área das Ciências Biológicas por Matias Boleto Ferreira de Mira (1875-1963), Professor de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e respectiva instalação na habitação de Bento Rocha Cabral um ano depois, onde se passou a praticar o estudo em áreas como a Fisiologia, Histologia, Bioquímica e Bacteriologia, tendo recentemente abrangido a Investigação Teórica (computacional) e a História das Ciências.

Anteriormente designado Calçada da Fábrica da Louça, o topónimo foi alterado para Calçada Bento Rocha Cabral por Deliberação Camarária de 23 de Maio de 1924 e respectivo Edital do Governo Civil de 7 de Junho do mesmo ano, iniciando-se no Largo do Rato e terminando na Praça das Amoreiras.

Bibliografia

Cabral, Bento da Rocha (1921). Testamento de Bento da Rocha Cabral (1918-1921). Lisboa: Tipografia Empresa Diário de Notícias.

Janeiro, Ana Luísa (org.) (1982). Ciências e Técnicas nas Instituições do Rato. Lisboa: Barca Nova.

Macedo, Luís Pastor de (s.d.) Ficheiro Toponímico. Gabinete de Estudos Olisiponenses.
Melo, Ana Homem de (s.d.). Calçada Bento Rocha Cabral. Gabinete de Estudos Olisiponenses.

Sucena, Eduardo (dir.) (1994). Dicionário de História de Lisboa. Lisboa: Carlos Quintas & Associados.

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