Rua da Conceição da Glória

Image

Este arruamento cruza-se com a Rua da Glória e com a Rua Santo António da Glória. Apenas não se prolonga pela Travessa Conceição da Glória por existir um desnível, tendo que, para lá chegar, prosseguir pela Rua das Taipas, caso contrário, teria o seu início na Travessa Conceição da Glória e culminando na Avenida da Liberdade.

A cidade de Lisboa apresenta variadíssimas evocações a Nossa Senhora da Conceição, expressadas na Toponímia, em estruturas como Igrejas e Capelas, imagens, e.o. Exemplo disso será a sexta capela da Casa do Noviciado de Nossa Senhora da Assunção da Cotovia, mais tarde Colégio dos Nobres, depois Escola Politécnica e finalmente Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Pelo que temos aferido na pesquisa desenvolvida em torno da toponímia da Freguesia de Santo António, muitas das evocações a personalidades religiosas associam-se normalmente a edifícios de culto construídos nas proximidades do topónimo, cuja designação está directamente relacionada com essas personalidades.

No caso da Rua e Travessa da Conceição da Glória, não observamos qualquer referência a algum tipo de estrutura directamente evocativa a Nossa Senhora da Conceição, muito embora possa lá ter existido, tal como José Augusto França, na obra Monte Olivete propôs, indicando que esta designação poderá ter sido originada “(...) numa ermida que na calçada existiu em meados de Quinhentos (...)”, não adiantando mais dados.
Deste modo, e considerando a quantidade de topónimos evocativos a esta figura religiosa, e a fim de evitar confusões por repetição, no dia 5 de Agosto de 1867, o Governo Civil associou a ambos os arruamentos a expressão “da Glória”, o que nos permite concluir, sem grande grau de especulação, que, pela proximidade dos restantes topónimos com essa expressão, seria apenas lógico estabelecer essa ligação.
Neste sentido, Glória referir-se-á à Ermida de Nossa Senhora da Glória, que passaremos a apresentar:

No início do século XVI, o território em que este arrumamento se encontra pertencia à Paróquia de Santa Justa. Em 1527, o Alcaide de Lisboa e Cavaleiro da Casa Real André Dias requereu aos padres dessa paróquia um aforamento dessas terras, comprometendo-se a pagar uma renda perpétua de 2000 reis. Nesse sentido, foi-lhe concedido um Breve pelo Santo Padre Clemente II, tendo aí levado a cabo o arroteamento de uma quinta, no que ficou designado como emprazamento, ou prazo de Santa Justa.
O usufruto deste terreno transitou depois para Fernão Paes (m. 1578), que em 1570 ali erigiu uma capela dedicada a Nossa Senhora da Glória.

No seu testamento, redigido no dia 28 de Maio de 1577, e aprovado no dia 8 de Junho desse ano pelo tabelião público Diogo Gorelha, a sua devoção é inequivocamente espelhada:
“Item mando que cada um anno me digam na ermida de Nossa Senhora da Gloria, para sempre, por dia de Nossa Senhora da Gloria, que é em Agosto, uma Missa cantada pela alma de meu Pae e Mãe e minha, e todas as sextas feiras dos annos, e sabbados, Missa resada de requiem; e para essa perpetua obrigacão se cumprir, tomo os rendimentos todos da minha quinta de Nossa Senhora da Gloria, que me custou muito dinheiro as bemfeitorias d'ella ; e quero que ande tudo encorporado com seu encargo de fòro commum; a saber: a Santa Justa dois mil reis cada anno enfatiota em vidas.”

No seu túmulo, assente junto desta capela, lia-se o seguinte epitáfio:
“Esta sepultura é de Fernão Paes, cidadão da cidade do Porto, que edificou por sua devoção esta casa de Nossa Senhora para si e seus herdeiros, à sua custa. P.N. Faleceu na era de 1578”

Durante esta década travava-se um conflito de secessão nos Países Baixos, na época sob domínio espanhol conhecido pela Guerra dos 80 anos (1568-1648). O exército liderado pelo Staudhouder Príncipe Guilherme de Orange-Nassau (1533-1584) encabeçou a revolta orientada para libertação da influência de Espanha. O Rei D. Filipe II (1527-1598) defendia fortemente a doutrina da Igreja Católica, em claro contraste com a Reforma Protestante, de que Martinho Lutero (1483-1546) havia sido precursor no dia 31 de Outubro de 1517, aquando da afixação das suas 95 teses para o “debate sobre o esclarecimento do valor das indulgências” na porta do Castelo de Wittenberg (Alemanha), nas quais criticou e propôs uma revisão de diversos pontos do catolicismo.

Deste modo, as igrejas católicas foram alvo de sucessivos ataques que desencadearam a fuga das comunidades religiosas para fora do país. De entre as inúmeras freiras que partiram da cidade de Alkmaar que para vários pontos na Europa, um pequeno grupo chegou a Portugal em 1852, altura em que Filipe II já havia sido coroado Rei, assumindo o título de Filipe I de Portugal. Recolhidas no Mosteiro da Madre de Deus no Algarve, o Provincial requereu uma audiência com o rei para reportar a situação. Chamadas à sua presença no dia 11 de Dezembro desse ano Filipe I garantiu-lhes protecção e acolhimento, tendo ordenado que ocupassem o sítio da Nossa Senhora da Glória, onde permaneceram durante quatro anos até à sua transição definitiva para o Convento de Nossa Senhora da Quietação no dia 8 de Dezembro de 1586. Foi exactamente neste ano que a herdeira do prazo de Santa Justa, D. Francisca Paes faleceu, tendo ficado nomeado o seu marido Nuno Fernandes Mascarenhas como legítimo sucessor.

Volvido um século, a Quinta de Nossa Senhora da Glória constituiu um dote atribuído à Condessa de Castro d’Aire, D. Helena de Castro, por ocasião do seu casamento com o Conde Jerónimo de Ataíde no dia 6 de Junho de 1627.
Depois do Terramoto de 1755, foi nesta zona recuperado o palácio pertencente aos Condes da Castanheira pelos proprietários à época, os Condes de Lumiares. Alinhado com a Rua Ocidental do Passeio Público (futura *Avenida da Liberdade), apresentava em meados da década de 1760 uma longa linha de arvoredo que se estendia até à *Calçada da Glória, mantendo a ermida de Nossa Senhora da Glória e o acima referido túmulo de Fernão Paes.

Após uma reconstrução decorrente de um incêndio ocorrido em Agosto de 1865, a entrada para o pátio fazia-se pela *Travessa da Glória, através de dois portões gradeados. Finalmente, as dependências, onde se encontrava a ermida, localizavam-se na esquina entre a Travessa e a *Rua da Glória. Segundo as descrições de *Júlio de Castilho (1800-1875), que a visitou no dia 11 de Novembro de 1902, nesta data, a capela tinha uma só nave com três altares. No altar-mor encontrava-se uma escultura em tamanho real da Imagem de Nossa Senhora da Glória, ladeada por Santo António e por São Domingos. A sacristia era contígua à capela-mor, sobre a Rua da Glória.

Designado Rua Conceição da Glória, pelo Edital do Governo Civil de 5 de Agosto de 1867, este arruamento inicia-se na Avenida da Liberdade e termina na Rua das Taipas.

Bibliografia

Araújo; Norberto de (1938). Peregrinações em Lisboa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira;
Castilho, Júlio de (1903). Lisboa antiga. Lisboa: Antiga Casa Bertrand – José Bastos;
França, José Augusto (2001). Monte Olivete: a minha Aldeia. Lisboa: Livros Horizonte;
Freire, João Paulo (1937). Minudências lisboetas: rápidos aspectos da Lisboa antiga.  Porto: Simões Lopes;
Macedo, Luís Pastor de (s.d.) Ficheiro Toponímico. Lisboa: Gabinete de Estudos Olisiponenses;
Melo, Ana Homem de (s.d.). Rua da Glória. Gabinete de Estudos Olisiponenses;
Melo, Ana Homem de (s.d.). Rua Conceição da Glória. Gabinete de Estudos Olisiponenses.

Veja a localização desta rua no mapa