Rua da Mãe D’Água

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Aqueduto das Águas Livres (construído entre 1731 e 1799). Obra pública e monumento nacional.

Este arruamento está associado ao Aqueduto das Águas Livres por nele existir um dos seus mais destacados segmentos.
A sua designação remonta à época romana: a fonte da nascente da Água Livre em Belas, a qual, pela sua altura, quantidade e proximidade, reunia as condições necessárias para o abastecimento do município romano Felicitas Júlia Olisipo, tendo sido construído um aqueduto para esse fim. Existem algumas evidências que justificam esta premissa.

O primeiro testemunho conhecido acerca do abastecimento de água a Lisboa data de 1571, tendo sido redigido por Francisco da Holanda (1517-1585) no sexto capítulo da obra Da Fábrica que falece à Cidade de Lisboa:
“Deve (Vossa Alteza, D. Sebastião) de trazer a Lisboa a Água Livre, que de duas léguas dela trouxeram os Romanos a ela, por condutos debaixo da terra subterrâneos, furando muitos montes e com muito gasto e trabalho, não sendo Lisboa sua; afora outras águas que trouxeram a ela também mui de propósito como se querem e eles faziam as tais obras. E ali nas Águas Livres, freguesia de Belas, entre duas penedias asperíssimas de dois montes fizeram um muro larguíssimo e forte, que lhe represava a água de um vale em uma lagoa ou estanque, em que dizem que traziam por seu passatempo galé e batéis, como se hoje em dia na parede e sítio que era possível. E ganhe Vossa Alteza esta honra de fazer este benefício a Lisboa (ou lho faça fazer) de restituir esta fonte de Água Livre, que assim se chama, a esta cidade que morre de cede, e não lhe dão água”

Numa carta redigida em 26 de Setembro de 1620, o engenheiro militar e arquitecto italiano Leonardo Torriani (1559-1628) apresentou ao rei Filipe II, os modos como a água livre poderia ser conduzida a Lisboa, esquematizando-a em quatro caminhos dos quais, sobre o último, afirma no seu parecer que será através do aqueduto antigo dos Romanos.
Em 1867, o geólogo Carlos Ribeiro (1813-1882) emitiu um parecer no qual afirma ter encontrado restos de construção evidentemente romana perto da Amadora localizado entre os sítios da Gargantada e do Almarjão, rementendo esta descoberta enquanto elemento que poderia validar as acepções de Torriani. Num relatório de 1879,  sobre o abastecimento de água para Lisboa, o geólogo indicou que nas proximidades do Príncipe ou de Almarjão e Racoeira, existia um aqueduto alguns metros abaixo, cujos lanços de parede e de canalização seriam feitos de argamassa e de fragmentos de tijolo de origem romana.

A construção do Aqueduto das Águas livres iniciou-se no dia 16 de Agosto de 1731 por determinação do *Rei D. João V (1689-1750), tal como se pode ler no Alvará de 12 de Maio de 1731:
“Eu El Rey faço saber a quantos este alvará virem que, havendo-se intentado remediar a falta de água que experimentam os moradores destas cidades (...), permiti que o Senado da Câmara par a despesa dela pudesse impor uma contribuição nos géneros que apontou: o ora se me representar que no procedido de tal contribuição estava junto dinheiro em que se podia principiar esta Obra (...).
Hey por bem, e mando, que o Superintendente que nomeei para a mesma obra ordenasse logo com toda a brevidade possível que a dita se faça pelas terras, fazendas, moinhos, casais, contas, quintais e herdades, por onde houver de vir, ainda que sejam pessoas privilegiadas, de qualquer estado, condição, qualidade e privilégio incorporado em Direito, posto que sejam Desembargadores, por quanto todos têm obrigação de dar passagem à dita água, e não privilégio algum que disco os escuse (...), pagando-se a seus donos pelos seus justos preços os danos e perdas que as ditas fazendas com a dita água e sua falta receberem (...).
Mando que se cumpra, de meu poder real e absoluto (...) nem se intrometam contra o conteúdo deste alvará; e dêem toda a ajuda e favor ao Senado da Câmara e ao Superintendente da mesma obra.”

Consistindo num vasto sistema de captação e transporte de água, por via gravítica, esta obra partiu da bacia hidrográfica da serra de Sintra, em Belas – A Mãe de Água Velha – coincidindo o seu trajecto, tal como descrito, com o percurso do antigo aqueduto romano, que culmina no reservatório da Mãe de Água das Amoreiras, em Lisboa.
A sua construção foi possível graças a um imposto denominado Real de Água, lançado sobre bens essenciais como o azeite, o vinho e a carne. Os responsáveis iniciais pela elaboração do plano foram os arquitectos italiano António Canevari (1681-1764), o português Manuel da Maia (1677-1768) e o alemão Johann Friederich Ludwig (conhecido por João Frederico Ludovice, 1673-1752).

A sua gigantesca estrutura caracteriza-se por um troço principal com 14 quilómetros, vários troços secundários destinados a transportar a água de cerca de 60 nascentes, e cinco galerias para abastecimento de aproximadamente 30 chafarizes de Lisboa. Na sua totalidade, o sistema do Aqueduto das Águas Livres, dentro e fora de Lisboa, atingia aproximadamente 58 quilómetros de extensão em meados do século XIX, tendo as suas águas deixado de ser aproveitadas para consumo humano a partir da década de 1960.
Tratando-se da uma de pouca estruturas que resistiram ao Terramoto de 1755, o seu mais icónico segmento localiza-se no vale de Alcântara, onde existem 35 arcos ao longo de 941 metros, entre os quais se destaca o maior arco em ogiva construído em pedra do mundo, atingindo 65,29 metros de altura e 28,86 metros de largura.

O Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras concretizou o plano de Manuel da Maia no que respeita à sua posição estratégica, uma vez que permitia abastecer simultaneamente as zonas nova e antiga da cidade, constituindo o primeiro grande depósito de água de Lisboa, a que ficaram ligados todos os seus novos chafarizes.
De acordo com informações recolhidas no Museu da Água, a entrada em Lisboa do Aqueduto das Águas Livres, marcada pelo arco da *Rua das Amoreiras, criado pelo arquitecto húngaro Carlos Mardel (1696-1763), entre 1746 e 1748, fechou-se neste reservatório.
A cisterna conheceu três plantas, apresentando um projecto inicial cuja implantação incluía mais três arcos, levando o edifício até à face norte do *Largo do Rato. No projecto final, o reservatório surgiu simplificado com a diminuição do número de tanques e da carga decorativa exterior.
Após a morte de Carlos Mardel, em 1763, o reservatório final do Aqueduto, iniciado em 1746, ainda estava por concluir. A obra foi retomada, em
1771, por Reinaldo Manuel dos Santos (1731-1791), que introduziu algumas modificações ao plano inicial, designadamente a cobertura do edifício, a cascata e a substituição das quatro colunas toscanas, projectadas por Mardel, por quatro robustos pilares quadrangulares. Estas alterações só viriam a concretizar-se em 1834, durante a vigência do reinado de D. Maria II.

Actualmente, o Reservatório da Mãe d’Água apresenta-se como um espaço amplo, luzente e unificado, sugerindo o seu interior a planta de uma igreja estilo Salão, propondo a sacralidade do espaço.
A água das nascentes jorra da boca de um golfinho sobre uma cascata, construída com pedra transportada das nascentes do Aqueduto das
Águas Livres, e converge para o tanque de sete metros e meio de profundidade, que apresenta uma capacidade de 5.500 m3. Do tanque emergem quatro colunas que sustentam um tecto de abóbadas de aresta que, por sua vez, suporta um terraço panorâmico sobre a cidade de Lisboa. Na frente ocidental deste reservatório encontra-se a Casa do Registo, local onde se controlavam os caudais de água que partiam para os chafarizes, fábricas, conventos e casas nobres.

O Aqueduto das Águas Livres constituiu uma obra pública de profundo impacte na sociedade lisboeta, tendo sido classificado Monumento Nacional pelo Decreto de 16 de Junho de 1910 (Diário do Governo n.º 136, de 23 de Junho de1910), foram igualmente contemplados a Sé de Lisboa, Basílica da Estrela, Castelo de São Jorge, Torre de São Vicente de Belém, e.o.
No arco das Amoreiras existia uma placa escrita em latim, mandada fixar por D. João V, onde se lia a seguinte inscrição:
“No ano de 1748, Reinando o Piedoso, Feliz e Magnânimo Rei D. João V, o Senado e o Povo Lisbonense, à custa do mesmo Povo, e com muita satisfação dele, introduziu na Cidade as Águas Livres desejadas pelo espaço de dois séculos, e isto por meio de um aturado trabalho, durante vinte anos, em arrasar, desfazer e furar outeiros na redondeza de nove mil passos.”

Designado Rua da Mãe d’Água, este arrumamento inicia-se na Rua da Alegria e termina da Rua D. Pedro V, existindo como topónimo pelo menos desde 1856, tal como referido no Atlas da Carta Topográfica de Lisboa (1856-58).

Bibliografia

Larcher, Jorge das Neves (1937). Memória histórica sobre o abastecimento de água a Lisboa até ao reinado de D. João V. Lisboa;
Souza, Maria Luiza Zanatta (2011). Um novo olhar sobre “Da fábrica que falece à cidade de Lisboa”. Francisco de Holanda 1571. Dissertação de Doutoramento sob orientação do Prof. Doutor Luciano Migliaccio. São Paulo: Faculdade de Arquitectura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.
n.a. Águas Livres. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

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