Rua de Santa Marta

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Arrumamento assim designado por neste local ter sido construído o Convento de Santa Marta, mais tarde Hospital de Santa Marta.
No ano de 1569 foi confirmado um surto de peste bubónica em Lisboa, o maior desde a Peste Negra, entre 1348 e 1352. Tendo ficado conhecido por “Peste Grande”, o elevadíssimo número de mortes levou a que fossem crias covas por toda a cidade para sepultar diariamente centenas de cadáveres.

Por ordem de D. Sebastião (1554-1578), foram chamados dois médicos de Sevilha, reconhecidos pela sua experiência neste campo, visto que a peste havia chegado à sua cidade três anos antes. Chegando a Lisboa no dia 2 de Agosto de 1569, Tomás Alvarez e García Salzedo y Coronel redigiram em apenas dez dias o opúsculo publicado na Academia Real das Ciências de Lisboa denominado “Cousas que conuem guardar se no modo de preseruar à Cidade de Lixboa. E os sãos, & curar os que esteuerem enfermos de Peste”.

Embora a sua vinda não reunisse consenso entre a sociedade – criou-se à época o ditado “Mate-me Deus com os meus” – , entre várias indicações concernentes à preservação da saúde e higiene, bem como métodos e processos concernentes à tentativa de cura, nesta obra os médicos recomendaram que existissem de dois hospitais em dois extremos da cidade, onde circulasse ar.
Segundo Maria de Fátima Reis, estes hospitais foram efectivamente construídos, sendo um estabelecido numa quinta do arrabalde e outro construído numa praia próxima. Para além destas edificações, soube-se da edificação de dois recolhimentos, um para crianças abandonadas e outro para jovens órfãs dos serviçais reais vitimados pela peste.

E é justamente no contexto deste último que, ainda em 1569, a pedido do Padre António de Monserrate, representante dos Padres Jesuítas de São Roque (da Companhia de Jesus), o rei D. Sebastião autorizou a fundação do asilo de Santa Marta, tendo financiado o seu sustento e doado um dote para as que pretendessem casar. As restantes foram alojadas em comunidade num hospício localizado entre o *Largo da Anunciada e o *Largo do Andaluz.

No dia 28 de Julho de 1570 foi dada a ordem para a reabertura das portas da cidade e, sete anos depois, os padres de São Roque solicitaram ao rei, por intermédio do Cardeal D. Henrique (1512-1580, que viria a ascender ao trono em 1758) que o então designado Recolhimento de Santa Marta de Jesus se convertesse em mosteiro. Com a devida anuência, foi para esse efeito requerida autorização junto do Vaticano, a qual viria a ser deferida pelo Papa Gregório XII (Ugo Buoncompagni, 1502-1585) no dia 23 de Setembro de 1577, que definiu que o novo mosteiro se guiasse pela regra de Santa Clara.

Entre 1583 e 1612, ano em que se iniciou a construção da igreja, foram adquiridos terrenos e casas, por via de esmolas e de doações, entre as quais se destacam a de D. Helena de Sousa em 1588 para a construção da capela-mor, da qual se tornaria padroeira e onde viria a ser sepultada com o seu marido, D. Diogo Lopes de Lima Pereira, que havia falecido na Batalha de Alcácer-Quibir. A capela foi concluída em 1593.

A igreja tinha 12 capelas ornadas de talha e azulejo. Estas foram erigidas através de doações ou de aquisição por cidadãos ilustres, nas quais detinham jazigos onde viriam a ser sepultados, entre os quais o fidalgo da Casa Real Cristovão Fernandes da Rocha, sua mulher D. Catarina
Cardozo e herdeiros; o Comendador da Ordem de Cristo, Estevão Curado Diniz (m. 10 Set. 1620) e sua mulher D. Ana Diniz; o Feitor da descarga da Alfândega de Lisboa, Diogo da Silva, sua mulher D. Maria Quaresma e filhos; Álvaro Roiz Brito Estribeiro e mulher, D. Joana

Pereira; filho de D. Joana Pereira, o Comendador da Ordem Cristo Miguel Pereira Borralho, que havia servido na guerra ao serviço da Coroa; e o pai de duas filhas religiosas professas, Gaspar Vieira de Araújo (m. 16 Ago. 1651) e sua mulher (m. 13 Fev. 1660). Para além das acima referidas, existe ainda uma capela dedicada à Irmandade do Glorioso *Santo António.
Concluídos o sacrário em 1629 e o portal da igreja em 1631, a construção da igreja terminou em 1636. Em 1707, no convento habitavam 65 religiosas, uma noviça e três educandas com 16 irmãs para servir. Ainda neste século, foram adicionados ao convento dois dormitórios (1719 e 1743).

O impacte destrutivo do terramoto que assolou Lisboa no dia 1 de Novembro de 1755 destruiu ou criou danos substanciais nos 65 conventos existentes na cidade. No entanto, o Convento de Santa Marta foi um dos onze que manteve condições de habitabilidade, tendo as freiras permanecido abarracadas na cerca do terreno até à conclusão das obras de reconstrução.

No século seguinte, sob a égide do Iluminismo e do Liberalismo, deu-se a Reforma Geral Eclesiástica empreendida pelo Ministro do Reino *Joaquim, António de Aguiar, que propôs a extinção das Ordens Religiosas Regulares, consubstanciada no Decreto de 30 de Maio de 1834. Executada pela Comissão de Reforma Geral do Clero (criada pelo Decreto de 31 de Julho de 1833, perdurando até 1837), esta medida resultou na extinção de todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e outras casas de religiosos de todas as ordens religiosas, mantendo-se no entanto as diferentes casas religiosas do sexo feminino sujeitas aos bispos, até à morte da última freira, data do seu encerramento definitivo.

Estando abrangido neste último caso, ainda em 28 de Maio de 1858 residiam no convento dez religiosas, sete pupilas e quatro seculares, tendo sido oficialmente extinto no dia 15 de Dezembro de 1887, em resultado da morte da última religiosa. Um ano depois, no dia 22 de Fevereiro, a Fazenda Nacional toma posse do edifício e bens associados, cedendo o pátio e as casas à Paróquia do Sagrado Coração de Jesus.
Entre Outubro de 1889 e Dezembro de 1890 registou-se um forte surto de gripe em Lisboa decorrente da Gripe Russa. Morrendo em média 1,6 pessoas por cada 1000. Neste contexto, no dia 8 de Janeiro de 1890 o edifício conventual foi transformado em hospital provisório.

Em 5 de Agosto de 1904, o Hospital de São José requereu a cedência do edifício, tendo conseguido a concessão pátio, casa e anexos no dia 18 de Maio do ano seguinte. Deste modo, entre 1905 e 1908 foram levadas a cabo obras de reconstrução do novo hospital na cerca do terreno, dotando-o de dois pavilhões para enfermarias, um bloco operatório e uma secção de pessoal, uma casa mortuária, caldeiras, estufa de desinfestação, forno de incineração, zona para observações e consultas externas no vestíbulo, obtendo um resultado final de 15 enfermarias e 34 quartos, num total de 700 camas.

Entre 1910 e 1953 o hospital assumiu a função de Escola Médico-Cirurgica de Lisboa, constituindo uma das principais escolar de Medicina Interna durante a segunda metade do século XX, tendo o médico Carlos Henrique George (1913-1986) como figura cimeira.
O Hospital de Santa Marta é actualmente considerado como uma principais referências a nível nacional no que concerne a tratamentos no âmbito do tratamento de doenças cardio-vasculares, especialidade desenvolvida por Manuel Eugénio Machado Macedo (1922-2000), cirurgião que aí ocupou o lugar de Director Clínico.

Anteriormente designado Rua de Santa Joana, este arruamento tomou o nome de Rua de Santa Marta, tendo este sido conservado por Deliberação Camarária de 28 de Agosto de 1926 e respectivo Edital do Governo Civil de 14 de Setembro do mesmo ano. Inicia-se na Rua Manuel de Jesus Coelho, terminando no Largo de Andaluz.
Bibliografia

Kempińska-Mirosławska, Bogumiła; Agnieszka Wozniak-Kosek (2013). “The influenza epidemic of 1889–90 in selected European cities – a picture based on the reports of two Poznań daily newspapers from the second half of the nineteenth century” in Medical Science Monitor, n.º 19: 1131–1141.
Lopes, Alfredo Luiz (1890). O Hospital de Todos os Santos hoje denominado de S. José. Lisboa: Imprensa Nacional;
Reis, Maria de Fátima (2004). Saúde Pública e Assistência em Lisboa no tempo de D. Sebastião in VII Congreso de la Asociación de Demografía Histórica. Granada: ADEH.

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