Rua Tenente Raul Cascais

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Raul Alexandre Cascais

Entre 1914 e 1918, a participação de Portugal na primeira Grande Guerra Mundial implicou empreendimentos de todas as áreas das Forças Armadas portuguesas, designadamente, no que respeita a este arruamento, o caso da Marinha de Guerra Portuguesa.
Com a declaração de guerra da Alemanha a Portugal, no dia 9 de Março de 1916, a manutenção da defesa das linhas costeiras e dos portos portugueses, que se estendiam aos arquipélagos da Madeira, dos Açores e de Cabo Verde, constituía uma prioridade estratégica de importância fundamental. Foram montados postos de vigilância em terra, criada a Aviação Marítima em 1917 (cujos hidroaviões patrulhavam a partir do Centro de Aviação Marítima de Lisboa), e montadas operações de fiscalização, de vigia e de patrulhamento do mar.
 
Por outro lado, para suprir as necessidades imediatas de meios navais, foi aprovado o Decreto n.º 2288 que, a 20 de Março de 1916, autorizou a incorporação na Marinha de Guerra de navios civis cujas características se adequassem os serviços auxiliares ou na defesa nacional. Deste modo, dezenas de navios (transporte e mercadorias, de pesca, de recreio, e.o.) foram requisitados, artilhados e incorporados na Armada, por determinação do Capitão de Fragata Jaime Daniel Leotte do Rego.

Deste modo, e no a este arruamento concerne, destaque-se o arrastão de pesca “Lordello”, construído em Outubro de 1906 pela empresa Cochrane & Sons em Selby, Inglaterra. Esta unidade de superfície foi requisitada por possuir um potente guincho que permitia elevar toneladas de peixe. A sua adaptação para caça-minas seria simples e totalmente adequada, visto que o guincho passaria a alar os cabos de rocega munidos das respectivas tesouras destinadas a cortar os cabos de fundear das minas.
Assim, após a sua requisição à Sociedade de Pescarias a Vapor, Lda. (Porto), do Mestre Manuel dos Santos Viegas, o comando do então designado Caça-Minas Roberto Ivens (baptizado em homenagem ao destacado oficial da Armada e explorador do continente africano [1850-1898] ) foi entregue em 1917 ao 1.º Tenente Raul Alexandre Cascais, que na altura comandava um destroyer, destacando-se entre as sua várias campanhas, a do Sul de Angola entre 1914 e 1915.

Colega durante a juventude durante o seu ingresso nos  Estudos Franciscanos, em 1897 oficiais da Marinha como Artur de Sacadura Cabral (1881-1924), Aníbal de Sousa Dias, José Carlos da Maia, e.o., tinha como responsabilidade o patrulhamento da área entre o Cabo da Roca e Cabo Espichel em operações de rocegagem (ou busca de minas sub-aquáticas e de superfície). Tratava-se de um processo de grande risco, considerando a natureza furtiva destes dispositivos altamente destrutivos de origem alemã, tal como comprovado por exemplares entretanto recolhidos e desarmados.
Ainda segundo Tenente, a sua excelência militar foi reconhecida e documentada no Decreto 131-11, Série 1 de 9 de Junho de 1911:
“Manda o Governo Provisório da República Portuguesa, pelo Ministro da Marinha e Colónias, louvar o Segundo Tenente Raul Alexandre Cascais, pelo zelo e competência de que deu provas como instrutor do corpo de marinheiros da armada, e que de visu doi apreciado pelo referido Ministro, quando assistiu aos exercícios militares e desportivos realizados no quartel em 13 de Maio último (1911), por ocasião da ratificação do juramento dos recrutas.”

 No dia 26 de julho de 1917, situado a cerca de 12 milhas a Sul de Cascais, enquanto desempenhava as suas habituais operações, o Roberto Ivens embateu contra uma mina pelas 15:15, tendo sido projectado, quebrando-se pelo meio e afundando-se em escassos minutos.
Deste trágico acidente resultaram as mortes dos civis ao serviço auxiliar da divisão naval sargento António Simões, 2.º marinheiro Jaime Constantino, 2.º marinheiro Domingos Jones Dapão, 2.º grumete Joaquim Bento, chegador, Américo Fernandes Ribeiro e 2.º marinheiro Gabriel Pereira, bem como dos militares 1.º sargento Narciso Bento António, 1.º artilheiro Júlio Cardoso, 2.º marinheiro Alexandre dos Santos Godinho, 2.º artilheiro José dos Santos, 1.º grumete Francisco de Matos Maleiro, 1.º grumete Anselmo de Carvalho, 1.º marinheiro António Afonso e o próprio comandante 1.º tenente Raul Alexandre Cascais.

Sobreviveram os civis ao serviço auxiliar da divisão naval: 2.º tenente Francisco da Costa Biaia, 2.º fogueiro Abixo Senna, 2.º fogueiro Francisco da Cunha, 2.º sargento João Viegas Trabuco e o 2º marinheiro Alexandre Fragoso da Silva, tal como os miliatres 1º marinheiro timoneiro-sinaleiro António de Souza Oliveira e o 1.º grumete timoneiro-sinaleiro Tiago Gil. Estes sete elementos da guarnição foram resgatados pelo rebocador da armada “NRP Bérrio”, que acompanhava o Roberto Ivens nesta operação, tendo mesmo chegado a disparar alguns tiros na direcção de uma esteira que havia suposto resultar de um rasto de uma embarcação inimiga.
Este evento causou considerável consternação em Lisboa e no resto do país, tendo sido amplamente noticiado pela imprensa.

Da morte do 1.º Tenente Raul Alexandre Cascais resultou uma viúva e seis filhos, cuja débil situação de saúde e financeiras foram abordadas no Diário da Câmara dos Deputados na Sessão de 5 de Agosto de 1921 (pp. 96-6),:
Da sua morte resultou ficar uma viúva com o encargo de sustentar seis filhinhos.
Foi-lhe concedida a pequena pensão de mensais. Há pouco foi essa pensão elevada em meia dúzia de escudos.
Dada a carestia da vida, a pobre senhora luta com grandes dificuldades, a ponto de haver negociado, nos balcões das casas de penhores, todos os haveres e recordações, a fim de ocorrer às necessidades da sua família.
Acresce que essa inditosa senhora se encontra num adiantado estado de tuberculose, jorrando imenso sangue em hemoptises contínuas, e por tal facto, impossibilitada de trabalhar e angariar o pão necessário aos seus filhinhos.

Já na anterior Câmara foram votadas pensões para a família de pessoas que não morreram na guerra e, eu, com a autoridade que me dá a lei das pensões de sangue, e com a autoridade que me dá o assunto, e ainda porque me é doloroso ver a viúva e família de um meu camarada a morrer de fome, envio para a Mesa um projecto de lei aumentando essa pensão e para o qual peço urgência e dispensa do Regimento. Espero que a Câmara se honre com a sua aprovação, prestando assim homenagem ao bravo oficial, que, como Carvalho Araújo, esse brilhante parlamentar, espírito de eleição, honrado e puro transmontano, glorioso comandante do Augusto de Castilho, soube sacrificar a sua vida ao cumprimento do seu dever.
Estes dois nomes, que por si constituem uma página brilhante da nossa história marítima da Grande Guerra, merecem que os patriotas se descubram ao evocá-los, como a nação há tempos se ajoelhou perante os ataúdes de dois heróis desconhecidos, símbolos do brio e da sempre não desmentida lealdade portuguesa, que repousam nas egrégias naves da Batalha, ao lado dos visionários da Escola de Sagres e dos gigantes de Aljubarrota. (Muitos apoiados).”

Raul Alexandre Cascais foi postumamente promovido a capitão-tenente por distinção e o seu nome dado a um navio da esquadra Porgueusa. A sua bravura foi exultada na sessão de 10 de Abril de 1923 (p. 15) tendo-se proferido o seguinte discurso:
“ (...) um bravo marinheiro que tão bem soube honrar a sua farda.
Refiro-me ao tenente Raul Cascais, que no seu posto foi atingido mortalmente pela explosão duma mina flutuante.
Quem, como eu, lidou de perto com Raul Cascais, conheceu bem as suas raras qualidades de homem e de marinheiro.
O seu exemplo de valentia o de patriotismo, certamente perdurará através da História, para incitamento das gerações futuras”

Assim, na sessão de Câmara de 7 de Maio de 1931, aquando da aprovação um projecto de construção de um arruamento que ligava a Rua Nova de Santo António à Rua do Rato para permitir o descongestionamento do trânsito na zona e uma saída alternativa para a Avenida Álvares Cabral, o 1.º Tenente Raúl Cascais foi homenageado postumamente, passando o seu nome a constituir o topónimo desta artéria.

Designado Rua Tenente Raul Cascais por Deliberação Camarária de 15 Junho de 1933 e respectivo Edital do Governo Civil de 19 de Junho do mesmo ano, este arruamento inicia-se actualmente na Rua Gustavo Matos Sequeira, não tendo saída.

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