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Entrevista a Maria do Céu Guerra
Frequentou o curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa mas foi ao Teatro que dedicou toda a sua vida. Actriz, encenadora, figurinista e directora plástica, Maria do Céu Guerra integrou o grupo fundador da Casa da Comédia na década de 60. Pouco depois, transitou para o Teatro Experimental de Cascais, onde se profissionalizou e onde sob a direcção de Carlos Avilez participou em diversas peças. Fez parte do grupo fundador do Teatro Adoque e em 1975 fundou, juntamente com o encenador Mário Alberto, a companhia de teatro A Barraca.
Foi feita dama na Ordem Militar de Sant’Iago da Espada em 24 de Agosto de 1985 e comendadora da Ordem do Infante D. Henrique em 9 de Junho de 1994. Fez teatro, cinema e televisão, mas é em cima do palco que se sente verdadeiramente em casa. Há quanto tempo vive na Freguesia de Santo António e o que mais a atrai? Nasci na Rua Rodrigo da Fonseca, 111. A minha vida foi entre a actual Freguesia de Santo António e Cascais, onde vivi 30 anos. Para mim, esta zona faz parte do coração de Lisboa. Sou muito lisboeta, não sei viver sem isto. Gosto muito do Jardim das Amoreiras, onde venho com alguma frequência. A Avenida da Liberdade é um lugar mágico, é uma coisa maravilhosa, especialmente quando não há muito trânsito. Gosto também das pessoas, que é muito importante. Um dos ex-libris da Freguesia é o Parque Mayer. Que recordações guarda dos tempos áureos do Parque? Trabalhei lá durante dois anos, mas as minhas memórias mais agradáveis são de quando ia lá ver os espectáculos. Havia restaurantes, bares abertos. Os artistas eram aplaudidos. Foi lá que conheci, por exemplo, o Fausto. Era um espaço muito agradável. Vinham camionetas cheias ver os espectáculos Era um pulmão de crítica, de divertimento, de sátira. A degradação teve que ver com o desaparecimento de Vasco Morgado [avô do actual presidente da Freguesia de Santo António]. Nunca mais ninguém teve a força que ele teve para estimular o Parque. Não surgiu ninguém com aquele saber. O que é preciso para levar mais portugueses ao teatro? Num país em que a imprensa dedica a sua atenção quase em exclusivo a uma actividade, que é o futebol, acaba por monopolizar a atenção das pessoas. As pessoas vão ao futebol porque sabem as regras, porque todos os dias há programas onde se fala sobre futebol. Falta isso para o teatro, para a arte, para a educação. Isto está muito desequilibrado! Por exemplo, a Revista, que é um espectáculo popular, de longa tradição, portuguesa, tem em permanência espectáculos sobre os quais não se fala. Tem de se perceber porque é que o teatro é minoritário. Porque as pessoas não conhecem as regras. Ainda me lembro de que, quando era pequena, o futebol não tinha uma distância tão grande do hóquei ou do ténis e os portugueses repartiam melhor a sua atenção. As artes precisam de ser estimuladas com a mesma energia e visibilidade que as outras actividades. Ninguém consegue gostar do que não conhece. É actriz há 50 anos. Já fez teatro, cinema e televisão. Qual prefere? Teatro. É uma actividade onde há tempo para a preparação. Onde a adrenalina do artista não vem da pressa. Não há o terror de falhar. Um artista de teatro não sobe ao palco sem ter a certeza de que tem o trabalho preparado. Na televisão não temos esse tempo. Na televisão, o que é engraçado é a adrenalina e a pressa. Trabalha-se com a fabricação da memória. Que projectos tem actualmente em mãos? Estou a trabalhar na peça “Play Strinberg” no Teatro Aberto, na qual contraceno com o Carlos Paulo e o Eduardo Sampaio. A encenação é do João Mota e a peça estreia a 16 de Abril. É uma peça sobre um casal que vive numa ilha de guarnição militar, na Suécia. Vivem naquele vento, naquele frio e transportam toda a dificuldade de viver assim para a sua vida de casal. É muito bom ter dois meses de ensaios. Entretanto, A Barraca (que é a companhia de teatro que eu criei) vai estrear no dia 25 de Abril um espectáculo sobre D. Afonso Henriques. É uma peça sobre a criação do país feita em colaboração com uma escola profissional de teatro – o IDS – Instituto de Desenvolvimento Social -, com quem temos um protocolo e onde dou aulas. Os alunos do 3.º ano vão entrar na peça. Se tivesse de recomendar a Freguesia a um/a amigo/a, que atributos destacaria? O Jardim das Amoreiras, o Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, a Mãe d’Água. Sugeriria que passeassem na Avenida da Liberdade. Esta freguesia tem estas coisas todas maravilhosas. Isto é tão rico, tão bonito. Há ainda o Parque Mayer. Pedia-lhes que se juntassem ao grupo de pessoas que aspiram a que o Parque Mayer renasça da melhor maneira. Aproveito para pedir ao presidente da Freguesia que construa um espaço onde seja possível ter gente amadora a trabalhar em teatro. O teatro é uma forma de comunicação e de arte que pode e deve ser trabalhada por toda a gente. As pessoas deixam de ser só espectadoras, o que é obsceno. As juntas de freguesia, culturalmente, têm de retirar as pessoas do papel de espectadoras.