Entrevista ao Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles

Entrevista ao Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles

 

Arquiteto paisagista de renome internacional, Gonçalo Ribeiro Telles nasceu na Rua das Pretas no dia 25 de maio de 1922. Licenciou-se em Engenharia Agrónoma e frequentou o curso livre de Arquitetura Paisagista no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. São da sua autoria projetos como o corredor verde de Lisboa e a integração da zona ribeirinha oriental e ocidental na Estrutura Verde Principal de Lisboa. Em 2013, foi-lhe atribuído o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, considerado “Nobel” da arquitetura paisagista, pela federação internacional do setor. Há quanto tempo vive na Freguesia de Santo António? Nasci ali na Rua das Pretas. Quando a família aumentou, os meus pais ficaram na Rua das Pretas e eu vim para aqui, para a Rua de São José. Que recordações guarda do tempo da sua juventude na Freguesia? Esta zona sempre me marcou bastante. Não só a Rua de S. José, como a Rua das Pretas, como a Praça da Alegria e também a Avenida da Liberdade. Eu estava aqui encaixado numa Lisboa de variadíssimos movimentos. Andei aqui na instrução primária. Só quando fui para o Liceu é que fui para fora da Freguesia. Esta sempre foi uma rua com muito comércio? Aqui foi uma saída de Lisboa. Como a cidade era mais pequena, acaba por ter uma graduação de lojas conforme se ia afastando do centro. Este era um local de entrada antes da Avenida da Liberdade. Nesses seus tempos de juventude, a Avenida da Liberdade era mais frequentada pelos lisboetas? Não era só a Avenida da Liberdade, era toda a cidade. A vida era de outra ordem. O automóvel não reinava totalmente, ainda havia carros puxados a cavalos e até os galegos que levavam as mobílias às costas. E havia os bêbedos também. Era um desfilar de personagens. O que mais lhe agrada atualmente na Freguesia? Agrada-me a Freguesia como uma totalidade e como uma variedade grande de cantos e recantos, de ruas e largos. Lisboa tem, por vezes, unidades em que as freguesias não conseguem definir os seus limites em termos físicos, em termos históricos, em termos de vida. Por isso há as Avenidas Novas, que já não são novas. Como tem assistido à evolução desta zona da Freguesia? São José foi uma zona importante. Era um polo de grande concentração intelectual. Aqui viveu Gago Coutinho, o meu tio escritor Cardoso Gonçalves, os Saldanha… Para eles, a Avenida era um local de passeio e a Praça da Alegria como lugar de estar. Que agora não é tanto. Agora não é tanto porque entretanto a cidade cresceu e multiplicaram-se os motivos de passagem e de recreio. A cidade tem falta de espaços verdes? A cidade tem espaços verdes pontuais. Jardim da Estrela, Praça da Alegria, São Pedro de Alcântara, Amoreiras… Mas tinha uma coisa muito interessante, que eram os quintais. Os quintais transformaram-se em garagens. E as superfícies com vegetação passaram a superfícies com cimento. Isso trouxe uma situação desagradável para a vida física e biofísica e até para o contacto com Lisboa. Essa situação terá contribuído para o problema das cheias que se verificam em Lisboa? O escoamento, quando encontrava espaços verdes, tornava-se mais vagaroso. Quando tudo isso se transformou em edifícios e pavimentos impermeáveis, o regime de escoamento das águas passou a ser violento. Isso resulta de decisões políticas? Não foi pensando nisso. Foram seguindo a moda da urbanização de cada época. E como acha que se pode resolver o problema das cheias? A solução passa pela diminuição das superfícies impermeáveis, que não provocam a infiltração da água, por sistemas de superfícies permeáveis e com vegetação que controlem essa infiltração. O que implicava mexer em muita coisa. Voltando à Avenida da Liberdade. Como vê as introduções que foram feitas à circulação do trânsito? Mas isso traduziu-se na realidade? Eu julgo que é muito difícil dizer-se que houve alterações substanciais na circulação. A circulação é indispensável à cidade. Não pode haver áreas da cidade sem terem relações que não são só o do andar a pé. Tem de ter circulação de transportes públicos, tem de ter circulação de transportes particulares. Isso é que é a cidade. É estabelecer uma unidade de funcionamento viável e boa com todo este novo sistema que a civilização vai criando. O centro da cidade está a ficar despovoado. Mas está-se a povoar em anéis, à volta. Por isso há tantos carros a entrarem diariamente em Lisboa. Exatamente. Porque o centro se transformou num elemento indispensável à cidade. Aqui se criou grande parte do emprego. Mas a maioria das pessoas que trabalha em Lisboa não vive em Lisboa. Com certeza. Em todo o lado é assim. É preciso é estabelecer-se circulações compatíveis com a vida das pessoas entre o lugar de habitar e o lugar de trabalhar. Não acha que seria importante as pessoas voltarem a viver no centro de Lisboa? Se deixar de ser lá o centro comercial e a zona de conjunção de escritórios, as pessoas voltam ao centro. Mas esta zona que está no centro vai para outro lado. Por isso, não ganhamos nada com isso. Ultimamente, tem havido um grande debate sobre o grande número de turistas que visita Lisboa e sobre o facto de a cidade não ter condições para os acolher. Qual é a sua opinião? Antigamente, Lisboa era saloia. O turista era o estrangeiro exótico, que vestia de uma maneira diferente, que passeava pelas ruas de uma maneira diferente, que sentia a cidade até de uma maneira diferente. Tudo isso está-se a interligar. A baixa de Lisboa estava cheia de turistas quando chegava um paquete ao porto. Hoje, a maior parte vem de avião. Eu julgo que os turistas não estão a aumentar. Estão a aumentar, talvez, de uma forma menos densa. Se tivesse de recomendar a Freguesia a algum/a amigo/ seu, o que lhe diria? Que tinha um ótimo sítio para viver.