Entrevista Abel Chaves

Entrevista Abel Chaves
Lisboa foi a cidade onde nasceu, mas foi entre a Guiné e os Açores que começou a escola e teve o seu primeiro trabalho remunerado, numa fábrica de lacticínios. O tempo livre era passado a alimentar uma das grandes paixões: o cinema, que o levariam a criar na Freguesia de Santo António um conceito de loja dedicada exclusivamente ao vídeo. Hoje as suas produções são reconhecidas e premiadas a nível mundial.
 
Como surge o seu gosto pelo cinema?
Sempre tive este gosto desde pequeno. Tornou-se mais sério quando fui para os Açores (S. Miguel) em 1969, como não existia emissão de televisão, o tempo era passado no cinema. Via na época dois filmes por sessão, desde cowboys, a policiais ou filmes de guerra. Sabia os nomes dos atores, dos realizadores e da equipa técnica. Usava o tempo como espectador para tentar perceber como é que os filmes funcionavam. E anos mais tarde trabalhei à noite num cinema na Cova da Piedade, onde os filmes após as estreias eram exibidos lá, e foi mais uma oportunidade de ver um ou dois filmes por dia.
 
A par do cinema surge na sua vida outra paixão. Como foi conciliar os aviões e o mundo audiovisual? 
Em 1977 voluntariei-me para a Força Área e fiz o curso de mecânico de automóveis. Estive sempre ligado aos aviões que é uma das paixões que ainda hoje mantenho. Mas nessa altura como precisava de ganhar mais dinheiro comecei a trazer da base americana equipamentos para vender (aparelhagens) e isso era outro complemento do cinema, o som que sempre foi muito importante para mim. E é preciso recuar à época em que estávamos para perceber que na altura havia muita procura e isso fez-me entrar em contacto com as “lojas de aparelhagens”. Ao sair da Força Área, onde fui instrutor de condução, abri uma loja com um colega em Tomar. Em 1983 foi o meu começo.
 
Mas é na atual Freguesia de Santo António que cria um conceito de loja inovador no mundo do vídeo, onde se inspirou?
As inúmeras viagens a Londres para comprar aparelhagens e cassetes inspiraram-me para criar um conceito de loja inovador: uma loja dedicada exclusivamente ao vídeo.
Abri no antigo Cinema Xenon e precisava de um cliente que percebesse o que eu pretendia fazer que era cinema de autor. Trazia os filmes de Inglaterra em laserdisc e tinha a possibilidade de copiar esses filmes, com uma qualidade excelente, em VHS. E como escolhia filmes pouco comerciais, comecei a ter de início clientes especializados e conhecedores da realidade do cinema. O que me permitiu conhecer pessoalmente quem os fazia.

O aluguer e venda de câmaras ligaram-no ao mundo da sétima arte levando a crescer para a produção de filmes. Como é que alguns desses trabalhos chegam ao reconhecimento internacional?
Quando iniciei estas coisas de filmes, a loja Bazar do Vídeo (rua da Glória 2A) tornou-se pequena e ao adquirir a OPTEC a intenção era criar uma estrutura diversificada e polivalente, ligada ao cinema, ao vídeo. Por isso em 2013 juntámos tudo, a OPTEC passou a ser a produtora e o Bazar do Vídeo vende equipamento e aluga.
Os primeiros trabalhos que fiz e mais premiados foram os documentários com o Tiago Pereira. Mas é com o filme “Cavalo Dinheiro” de Pedro Costa que aconteceu o inesperado. Não só abriu o Festival de Nova Iorque em 2014 como ganhou o prémio de melhor realização no Festival de Locarno. Além de tudo isto estreou em salas de cinema de vários países estrangeiros, algo que é muito difícil. Foi muito bom e gratificante ver um trabalho de cinco anos reconhecido. E em 2015, pela primeira vez, no Festival de Cinema de Munique recebi o prémio de Melhor Filme que é entregue ao Produtor. Foi o maior prémio que recebi até hoje. Mas sempre consciente que a minha vida não é esta, eu vivo atrás de um balcão a vender câmaras de vídeo. O cinema é a paixão, mas eu não ganho a vida a fazer filmes.

Apesar dos seus 61 anos é ainda hoje um homem atento às constantes inovações?
Vivi tudo com muito entusiasmo e sempre fui muito atento às inovações tecnológicas. Conseguia até estar sempre atento e antecipadamente tinha tempo para preparar-me a mim e aos meus clientes. O que me dava um posicionamento no mercado diferente. Mas obviamente que isto é um mundo difícil e hoje em dia mais competitivo, com desafios permanentes. A informação hoje é de hora a hora. O cliente quando chega aqui (Rua da Glória 2A) já vem com uma tonelada de informação que leu e muitas vezes até sou apanhado com o “pé no ar”. Mas estou sempre a inovar e a reinventar porque não podemos parar. Até quando poder vou estar disponível para a malta nova, aos quais damos muito apoio.
 
Consegue eleger um filme de eleição?
(silêncio) É muito difícil… cada um no seu género, mas é difícil de eleger.
 
Não nasceu nesta freguesia, mas foi “adotado”. Quais as maiores vantagens?
É uma zona de acessibilidade com comboio, metro e autocarros. Um polo sempre muito ativo com muitos cinemas na altura, sem esquecer a influência do Bairro Alto.  Este é um centro onde acontece quase tudo. Já foi melhor no passado? Já. Pode ser mais? Sim, pode, mas é uma questão de vontade.
Muito se tem feito e melhorado. O Maxime já voltou a abrir com um espetáculo muito interessante, o Hot Clube já está em pleno funcionamento, o Capitólio está a retomar o seu percurso, o Parque Mayer espero que venha retomar ali algumas atividades. Esta zona vai ser sempre o centro da cultura. As coisas inteligentes acontecem aqui.